Não é um dos meus sketchings. Mas é um desenho que me diz muito. De várias formas. De tantas que já tenho aqui este post em rascunho há uns dias sem saber muito bem como pegar no tema.
O artista
Este desenho foi feito por um senhor de Peniche que hoje está num lar em Lisboa. Parece que é um senhor introvertido e pouco conversador. Não dado a muitas demonstrações de afecto. Porque está em Lisboa e não em Peniche, perto das suas origens deve ser toda uma história de vida.
Um presente - duas ofertas
É uma oferta duas vezes. Começando pela primeira oferta. A escola do H fez uma visita a um lar e passaram uma parte da tarde junto dos utentes do lar, numa perspectiva de aproximação de gerações. Com todas as vantagens para os adolescentes que convivem assim com a realidades dos nossos seniores que têm de viver em lares e as vantagens para os tais seniores de poderem conviver com jovens, com toda a sua vivacidade, alegria e curiosidades. Acredito que estas visitas contribuem imenso para alegrar os seus dias. Uma das professoras que acompanhou os miúdos é de uma energia e simpatia contagiante - a professora S. É um furacão no bom sentido. Pelo que ela me disse, o tal senhor esteve mais à parte, recatado, sem participar muito. No entanto no final da visita chamou-a de parte e ofereceu-lhe este desenho porque a tinha achado muito simpática. Um gesto que a surpreendeu bastante e que a tocou. Esta foi a primeira oferta.
A segunda aconteceu quando a professora S. percebendo o que representava este desenho se lembrou de mim. Demorei algum tempo a perceber como se tinha ela lembrado de mim, mas depois lá consegui fazer a ligação. Há mais de um ano disponibilizei-me para ir contar uma experiência da minha vida de estudante a umas das suas turmas. O que levou a que lhes contasse que tinha estudado em Peniche, mais precisamente no local representado neste desenho - no Santuário dos Remédios. À professora S., lembrando-se de tal, pareceu-lhe natural que este desenho teria todo um outro significado para mim. E nesse instante decidiu que mo iria oferecer. Assim fez. Pediu ao H para mo entregar, mas entretanto viu-me e aproveitou para me contar essa história, dizendo-me que o H me iria entregar um "postal". Nesse dia à noite recebi este desenho. Devo dizer que me tocou profundamente.
Peniche - os Remédios
Ter estudado lá representou para mim dois anos muito felizes da minha vida. Quando me lembro daquele período relembro sobretudo a proximidade com o mar, com as falésias e a visão diária das Berlengas. O barulho das gaivotas e dos corvos marinhos. A aspereza do clima. O frio cortante do mar. Os borrifos das ondas que rebentavam nas pedras da falésia. A Nau dos Corvos. O Farol. O frio gélido matinal, o calor das horas de almoço e os finais de tarde enevoados.
O fluir - o poder de um gesto
Assim pode um desenho muito naif e, artisticamente falando, sem muito valor fazer fluir tanto sentimento e emoção entre várias pessoas. Este fluir de coisas boas foi possível porque este senhor decidiu dar algo de si - um simples e pequeno desenho, e porque a Professora S. ouve e sente com o coração. Coisas simples, mas tão complexas.
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